13 janeiro 2015

Poetas da presença - 2 - Cristovam Pavia


Filho de um poeta da presença, Cristovam Pavia pertenceu à geração de 50 que tomou Régio como mestre e cultivou um certo revivalismo da poética presencista, a que chamaremos o neopresencismo. Pelo seu espírito e pelas suas ligações familiares, Cristovam Pavia é definitivamente digno do título de neopresencista.

(1933-1968)


Cristovam Pavia é o pseudónimo de Francisco António Lahmeyer Flores Bugalho, filho do poeta Francisco Bugalho e neto materno do Prof. António Flores.


Nascido em Lisboa, aqui morreu, com 35 anos apenas, a 13 de Outubro de 1968 – no mesmo dia em que no Brasil faleceu Manuel Bandeira, um dos seus poetas mais amados (alguns dos outros: Rainer Maria Rilke, sobre quem preparava, sem jamais a acabar, a tese de licenciatura; José Régio, a quem pelas noites fora escrevia cartas que eram a arrebatada confissão de vivências espirituais; Adolfo Casais Monteiro e Jorge de Sena, de quem nos falava com ardor).

Passou a infância e parte da adolescência em Castelo de Vide, nas quintas familiares que nos versos tão limpidamente evoca. Frequentou as Faculdades de Direito e de Letras, em Lisboa, e estudou também na Alemanha, onde, de outra ocasião, longamente permaneceu a tratar-se da afeção nervosa que veio, talvez, a causar-lhe a morte sob os rodados de um comboio. A sua voz, que de algum modo se identifica com a de Sebastião da Gama – que ele intimamente conheceu –, é, no coral da jovem poesia portuguesa, uma das mais puras e mais poéticas (no sentido em que a poesia transcende a pesquisa meramente cerebral de engenhosas formas verbais, para ser a transfiguração, através da palavra escrita, de sentimentos, ideias, emoções, experiências – de toda a humanidade do poeta, em suma).

Na sua densa concisão, os únicos 35 Poemas que nos legou bem merecem estas certeiras palavras do seu mestre José Régio: «Poesia não realista, não descritiva, não retórica, – exigente e discreta, de bom gosto, direta às vezes outras vezes exprimindo por alusões e sugestões, próxima do vago da música. Frequentemente hermética, então de aquele hermetismo ou semi-hermetismo, que é o autenticamente poético, por natural e boa parte da alta poesia».


Luís Amaro
Artigo no Diário de Notícias.

Obra poética


1. Cristovam Pavia (1959) 35 Poemas, col. 'Círculo de Poesia', 6, Lisboa: Morais.


2. Cristovam Pavia (1982) Poesia, col. 'Círculo de Poesia', 108, Lisboa: Moraes.
3. Cristovam Pavia (2010) Poesia, Lisboa: Dom Quixote.

















Bibliografia

  • João Gaspar SIMÕES (1962) 35 Poemas, Crítica II, 2.º vol. (1943-1961), 285-290; 
  • Maria Aliete GALHOZ (1968) Deixei-te só à hora de morrer, Supl. lit., A Capital, Lisboa, 20.11; 
  • Fernando J. B. MARTINHO (1968) Na Morte de Cristovam Pavia, Sup. lit., Diário de Lisboa, Lisboa, 28.11, 5; 
  • Alberto Vaz da SILVA, João Bénard da COSTA, M. S. LOURENÇO, Nuno de BRAGANÇA e Pedro TAMEN (1968) In memoriam Cristovam Pavia, O Tempo e o Modo 64, 65, 66, Lisboa; 
  • José RÉGIO (1969) Cristovam Pavia e os '35 Poemas', Das Artes, das Letras, Supl. lit., O Primeiro de Janeiro, Porto, 29.01; (1994) reprod. em CRÍTICA E ENSAIO/2, col. 'Obras Escolhidas', s/l: Círculo de Leitores, 338-343. 
  • António Ramos ROSA (1969) Nótula crítico-biográfica, Líricas Portuguesas – 4.ª série, Lisboa: Portugália, 91-96. 
  • Célia da Rocha GOMES (2003) «UMA VOZ SERENA DE INFÂNCIA» em '35 Poemas' de Cristovam Pavia, Dissertação de Mestrado em Literaturas Românicas Modernas e Contemporâneas apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto. 
  • Fernando J.B. MARTINHO (2010) Prefácio e nota biográfica, Cristovam Pavia, Poesia, Lisboa: Dom Quixote. 



José Régio com Cristovam Pavia


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REQUIEM


(ao menino morto, eu próprio)

A tarde declina com uma luz ténue.
Estou grave e calmo,
E não preciso de ninguém
Nem a luz da tarde me comove: entendo-a.
Até as imagens me são inúteis porque contemplo tudo.


Os ventos rodam, rodam, gemem e cantam
E voltam. São os mesmos:
Como os conheço desde a infância!
E a terra húmida das tapadas da quinta...
O estrume da égua morta quando eu tinha seis anos
Gira transparente nesta brisa fria...
(Na noite gotas de orvalho sumiam-se sob as folhas das ervas...)


Oh, não há solidão nas neblinas de inverno
Pela erma planície...
E foi engano julgar-te morto e tão só nas tapadas em silêncio...
Agora sei que vives mais
Porque começo a sentir a tua presença, grande como o silêncio...
Já me não vem a vaga tristeza do teu chamamento longínquo.
Já me confundo contigo.



POEMA
(de uma fotografia de meu Pai comigo,
pequeno de meses, ao colo)

Vamos através do incêndio
Mas não temas, meu filho.
Podes dormir nos meus braços frescos e fortes,
Embala-te a cadência dos meus passos.

Vamos através do incêndio
E sonhas.
Detrás das tuas pálpebras a tarde
Beija e doira as folhas dos sobreiros.

E quase me esqueço
Deste puro fogo,
P’ra te dar frescura.
Arde o meu sangue calmo,
E o meu suor, arde.

E devagar,
Vamos através do incêndio.

Dorme, meu filho.



MAIS UMA POESIA A NOSSA SENHORA


Trago-Vos rosas vermelhas, rosas pálidas, rosas brancas...
Trago-Vos violetas e margaridas
Em molhos orvalhados...
Trago-Vos a alegria dos campos...
A claridade do céu azul reflectido nas águas...
Trago-Vos o meu amor natural e fresco

Entre as outras flores...



«O POEMA QUE HEI DE ESCREVER...»


O poema que hei de escrever para ti, dando notícias
Do último reduto das coisas, das profundidades intactas,
Nasce, adormece e referve-me no sangue
Com a íntima lentidão dos teus seios desabrochando,
Porque, sei, não estás longe (nem da minha vida!), meu mistério fiel.
Hoje a nossa companhia é a tua inconsciência e o teu instinto: puro
Instinto que eu, de longe, embalo e velo
E acordará («em frente!») às primeiras palavras
Do poema, quando ele despontar.


Cristovam Pavia, 35 Poemas



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Efeméride



13 DE OUTUBRO - CRISTOVAM PAVIA

Cristovam Pavia, de seu verdadeiro nome Francisco António Lahmeyer Flores Bugalho, poeta português, morreu em Lisboa no dia 13 de Outubro de 1968. Nascera, igualmente na capital portuguesa, em 7 de Outubro de 1933, tendo passado a infância em Castelo de Vide. Era filho do também poeta Francisco Bugalho, da geração da revista Presença. Utilizou igualmente os pseudónimos Sisto Esfudo, Marcos Trigo e Dr. Geraldo Menezes da Cunha Ferreira.

A partir de 1940, residiu em Lisboa, onde terminou os estudos liceais. Frequentou depois a Faculdade de Direito de Lisboa, que abandonou para ingressar na Faculdade de Letras.

Entre 1960 e a sua morte, trabalhou na construção civil, vivendo entre Lisboa, Castelo de Vide, Paris e Heidelberg, onde recebeu acompanhamento psicoterapêutico.

A sua única obra poética editada em vida, 35 Poemas, data de 1959, embora tenha colaborado com poesias de sua autoria em diversos jornais e revistas, como Diário Popular, Árvore, Anteu, Távola Redonda e Serões. Morreu, prematuramente, seis dias depois de ter completado 35 anos de idade.